sexta-feira, 6 de julho de 2007

A História bem na Foto - 3 > Conteúdo

Neste A História bem na Foto - 3:
Mabel Arthou > Mais um Domingo...
Antonio Batalha > Tancredo se despede
Silvana Louzada > Collor x general Tinoco
Américo Vermelho > O enterro de D. Lyda
Elisa Ramos > Deficientes físicos: superação
Acesse aqui a série completa:
(veja ao final a relação dos participantes).
Este blog segue o padrão “livri”, ou seja, tem número limitado de postagens
e é editado para leitura de cima para baixo.
Outros blogs complementares poderão ser editados.
Foto do título: Bandeiroso, Aguinaldo Ramos, 2001

Mabel Arthou > Mais um Domingo...

Plantão de Domingo... É aquele dia em que todos estão de lazer e você tem que ir ao Jornal, para o que der e vier. Verão. Vem aquela pauta de sempre, chata e calorenta... Dar uma espiada nas praias para ver o que está acontecendo... Saímos no carro do Jornal, eu e uma repórter, duas mulheres... Percorremos a zona sul, todo mundo na praia, entrevistamos o vendedor de mate e limão, tomamos um sorvete, lá pelas 4 horas resolvemos dar por encerrada aquela busca de matéria para o jornal de segunda-feira.
Voltamos para a sede pelo caminho do Aterro e aí vemos uma aglomeração e resolvemos parar. Vários carros de polícia, ônibus retidos, gente sendo revistada. A repórter vai perguntar o que está acontecendo e eu, achando que é só mais uma blitz rotineira, encosto-me num carro e fico observando de máquina em punho.
Vejo que os policiais estão vasculhando a parte de cima e a de baixo dos biquínis das mulheres. Começo a fotografar como quem não quer nada e como se fosse tudo muito normal. Um sargento ao meu lado, já de papo, diz que todo domingo é assim, os ônibus vêm cheios da praia, acontecem vários furtos, os assaltantes mandam as mulheres colocarem os cordões, anéis, dinheiro, dentro das roupas de banho...



Do outro lado, percebo um policial me olhando e antevendo a situação, rapidamente rebobino o filme, tiro-o da máquina, coloco dentro da minha calcinha. Ponho logo outro na máquina e continua tudo igual...
Começa um certo rebuliço, o sargento é questionado pela repórter, como é que se faz uma revista quase ginecológica nas mulheres, à vista de todos, em plena luz do dia... A atitude dos policiais muda e o sargento vem me perguntar o que nós estamos fazendo lá também...
- Eu, nada... Só estou olhando...
- Pois então não pode. Fotografou alguma coisa?
- Eu não!!!
Vem o policial do outro lado e afirma:
- Fotografou, que eu vi!
- Eu?
- É! Passa a máquina para cá!
- A máquina? Não posso! O equipamento não é meu, é do Jornal!
- Jornal, coisa nenhuma!!! Passa para cá!
- Não posso!
- Então vai entrando na patrulhinha que o delegado vai resolver isso.
- Patrulhinha? Estou presa?
- Entra logo!!!
Entrei e a repórter também, que estava tão nervosa quanto eu.
O motorista do Jornal gritava:
- Vou atrás de vocês!!!!
Fomos para a 9ª DP, ali no Catete. O mau humor dos policiais era compatível com o enfado do delegado de plantão. Calor, verão, domingo à tarde... Todo mundo entrou já quase aos gritos... O Delegado, pedindo calma, pergunta que bagunça era aquela e logo me colocam como o pivô da situação. Não podia estar lá, tinha feito fotos, tinha que entregar o filme... Eu respondo que não tinha feito nada, e que também não podia entregar o material que afinal, não era meu.
O Delegado fala com a repórter, pede que seja boazinha, pra resolver logo aquela situação. Ela responde que não pode. Ele manda ligar para o Jornal. Liga e pede pra falar com o Editor. Vem uma mulher e ele exige:
- O EDITOR!!!!
Ela responde que ela é a Editora!!!... O Delegado suspira:
- Só tem mulher!!! Assim não dá...
Para terminar logo, olha-me olha no fundo do olho e pergunta:
- Tem certeza que não fotografou?
- Claro que não!!! Não estou nem aí!!!
Os policiais babam de raiva e o delegado manda acabar com aquilo tudo, enxota todo mundo pra fora da delegacia. Lá fora, o motorista nos recebe com alívio.
Chegamos na redação, revela-se o filme e o Xico Vargas (aí, sim, chegou um homem, para a editoria da tarde) fica entusiasmado com as fotos e resolve dar na primeira página.
A adrenalina estava a mil, as fotos ótimas, mas ficava aquela sensação desconfortável, um certo medo de dar de cara com os policiais no dia seguinte.
A foto saiu na primeira página, grande, no topo.

Mabel Arthou > Tendo estudado Direito até o quarto ano, começou a fotografar como hobby. Fez cursos de Fotografia na Corcoran Gallery em Washington, D. C. e na Galeria Ateneo, em Montevidéu, Uruguai.
Profissionalizou-se ao começar uma parceria com o correspondente do Washington Post para a América Latina, tendo suas primeiras fotos publicadas nesse Jornal.
Em 1980 entrou para o JB, em Brasília, tendo dois anos mais tarde se mudado para o Rio, onde passou o resto da década de 80 trabalhando na reportagem do Jornal do Brasil.

Antonio Batalha > Tancredo se despede

Trechos do depoimento de Antonio Batalha, gravado em 26/04/2007, a respeito de sua foto da despedida de Tancredo Neves, após comício em Ipanema, Rio de Janeiro, em 1985.
Transcrição >

(...) Uma foto que na verdade eu não sei se tem valor histórico... Mas é uma foto especial para mim, porque foi feita antes do Comício das Diretas e foi a foto que eu fiz do Tancredo Neves num comício pequeno, em Ipanema, onde eu, naquele momento me surpreendi...Ele estava, na verdade, terminando o comício e se despediu das pessoas levantando o braço, e os que estavam com ele fizeram o mesmo. E naquele momento ele se virou para a câmera e eu fiz essa foto. E essa foto acabou sendo a primeira página do JB no dia seguinte. Na hora em que eu fiz a foto eu senti que era uma foto especial para mim. Pelo momento, pela coisa da campanha das diretas, enfim... E fiquei satisfeito quando o jornal deu um bom aproveitamento a ela.


- Mas, qual é a sua leitura dessa foto? Como é que você enxerga o que está contido na foto?

Pois é, essa foto, curiosamente, acabou sendo mais... Na época o JB tinha, como tem, eu acho, até hoje, a Agência JB, que distribuiu essa foto, sobretudo, depois que o Tancredo morreu, como se ele estivesse num gesto de despedida... Então, eu quando fiz a foto, senti que era uma foto importante, uma foto significativa. E depois, com a morte dele, que veio a acontecer naquele ano ainda, essa foto marcou ainda mais para mim.
- Então você fez nessa foto a despedida, mas, por exemplo, também se pode fazer uma associação com aquela saudação nazista...

- Ah, sim, sem dúvida!... Nunca me passou pela cabeça fazer este tipo de associação!...

- E as pessoas não fizeram?

- Não. Que eu saiba, ninguém fez. E quando eu fiz essa foto, todos os veículos de imprensa estavam cobrindo esse comício do Tancredo e eu dei a sorte de estar localizado numa posição em que os outros companheiros, não estavam. Tanto que ninguém, nenhum jornal, nenhum veículo publicou essa foto, só o JB.

- (...) Você pensa que as suas escolhas podem afetar a história de alguma maneira?

(...) Eu penso que na hora em que eu estou fotografando, sobretudo quando estou documentando um fato cotidiano, uma notícia, eu estou fazendo a história daquele momento, eu estou fazendo a história daquela notícia, eu estou acompanhando, documentando essa história... E nesse sentido, eu acho que o repórter-fotográfico, ele tem esse papel de ser uma testemunha da história, de ser parceiro dela, na medida em que ele documenta isso para o futuro.(...)

Muitas vezes a gente via que a fotografia não era bem aproveitada, não era bem editada, por n motivos... Mas, no caso dessa foto, especificamente, eu acho que ela foi muito bem aproveitada. Porque não sofreu corte, foi editada exatamente como eu a fiz. E sempre que eu olho para ela eu revivo aquela sensação do momento em que ela foi feita. (...)
Eu sou um apaixonado por fotografia, pelo meu trabalho. Como, aliás, eu acho que todos os repórteres-fotográficos são e, se eu tivesse que voltar no tempo para fazer tudo novamente, eu faria tudo novamente.



Antonio Batalha > exerceu atividades profissionais como repórter-fotográfico nas redações de O Fluminense, Jornal do Brasil, Revista Galileu, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil, e nas agências de notícias Associated Press (AP) e France Presse (AFP). Tem trabalhado também para assessorias de comunicação de empresas e instituções como Claro, TIM, UFRJ, UERJ, Shell, Cenpes, Petrobrás, Furnas, Firjan e Ministério Público do RJ. Trabalhou como editor de fotografia na M&B Comunicação e Marketing, no Informativo da Orquestra de Garrafas e na Revista Select News Fashion. É bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC-Rio.

Silvana Louzada > Collor x general Tinoco

A foto foi publicada na primeira página da Tribuna da Imprensa, em 4 de julho de 1991.

Diz o texto ao lado da foto:
"Oficiais do Exército fizeram coro aos ataques do capitão-deputado Jair Bolsonaro (PDC-RJ) ontem, durante cerimônia na Vila Militar, no Rio, e responsabilizaram o Presidente Fernando Collor, presente à solenidade, pelo achatamento salarial e conseqüente descontentamento da tropa."



Os militares estavam em pé-de-guerra com o governo quando Collor faz esta visita à Vila Militar para uma exibição de pára-quedistas.
Todos os fotógrafos queriam uma foto que mostrasse o antagonismo da tropa com o presidente.
Eu fechei com a 180mm no Collor e no general Tinoco, esperando um momento que as expressões faciais mostrassem a tensão do evento.
A legenda é: "A exibição da brigada pára-quedista, ontem na Vila Militar, fez com que Collor e o general Tinoco olhassem para o mesmo objetivo ainda que em direção oposta".
O editor, acho que era o Mário Rolla, entendeu o espírito da coisa.


A importância histórica da foto está em ter sido feita antes do início do ocaso de Fernando Collor.
As hostilidades e os escândalos que levaram ao impeachment ainda não haviam começado mas as tropas, assim como outros setores da sociedade, já demonstravam seu descontentamento.
Era também o primeiro embate dos militares com o primeiro presidente civil eleito pelo voto direto desde a ditadura.
Vista hoje a foto não tem, a meu ver, impacto algum.
O presidente, que no exercício do cargo era extremamente arrogante, é um senador sem nenhuma projeção, assim como o general.
As forças armadas também não são também nenhum bicho-papão para a sociedade e para o “estado democrático”.
Mostra apenas que pessoas, coisas e instituições, são sujeitas a ter seu papel social modificado ou anulado com o passar do tempo. Assim como algumas fotos...

O equipamento era uma Nikon FM2 com uma lente 180 mm.
O filme, o velho e bom Tri-X, provavelmente (mal) rebobinado com uns 12 fotogramas, como era o costume na Tribuna.
Feito com luz natural, sem flash, sem puxar.

Silvana Louzada > Comecei a fotografar na Ágil Fotojornalismo, em Brasília. Trabalhei no Correio Brasiliense e em assessorias.
Morei no Maranhão, onde fotografei as comunidades de negros que iriam ser removidos com a construção da Base Aeroespacial em Alcântara.
No Rio, fiz still de cinema, trabalhei contratada no Jornal da Vale (do Rio Doce), na Tribuna da Imprensa e na Agência Brasil. Como free-lancer, em um montão de lugares.
Fiz uma pós-graduação em Fotografia na Universidade Cândido Mendes e Mestrado na Comunicação da UFF, sobre o fotojornalismo nas revistas O Cruzeiro e Manchete.
Faço doutorado, também na UFF, sobre o fotojornalismo na Última Hora e JB nos anos 1950-60.

Américo Vermelho > O enterro de D. Lyda

Trechos do depoimento de Américo Vermelho, gravado em 25/04/2007, sobre a foto do enterro de D. Lyda, secretária da OAB/RJ, no cemitério São João Batista, Rio de Janeiro.
D. Lyda Monteiro da Silva foi morta aos 59 anos, em 27 de agosto de 1980, durante o governo Figueiredo, na chamada “Operação Cristal”, organizada por grupos extremistas de direita. A carta era endereçada ao presidente da entidade, Eduardo Seabra Fagundes, do qual D. Lyda era secretária.
Fonte: Grupo Tortura Nunca Mais (
http://www.torturanuncamais-rj.org.br/).

Transcrição >


- (...) Na hora do clique mesmo (eu não sei os outros...), na hora do clique mesmo, eu estou preocupado em fazer uma boa foto, uma foto que tenha um impacto visual, que tenha, enfim, todas essas informações relevantes que estão presentes ali e tal... De maneira geral, a gente sabe que aquilo tem importância histórica. Quando é possível a gente pede essa pauta, porque é importante e tal. Às vezes não dá, porque o editor tem outros assuntos, tem que distribuir trabalho para todo mundo, cobrir todas os assuntos do dia. Mas, quem gosta disso, quem gosta, às vezes pede: “eu quero fazer essa foto...”
Essa aqui é uma delas. É um trabalho free-lancer, eu não era funcionário da Veja, era fotógrafo free-lancer, e o editor aqui do Rio era o Zuenir Ventura nessa época. E aí ele já me conhecia e o trabalho que eu fazia na Istoé e me chamou especificamente para fazer este trabalho aqui e me indicou: “eu queria que você ficasse lá no cemitério, queria que você acompanhasse o enterro”. O enterro saiu da Câmara Municipal e veio até o São João Batista e tinha outros dois fotógrafos cobrindo isso aí. E ele disse: “eu quero que você fique ali, porque essa é a foto.”




- Foi específico?
- É, foi específico.
- Ele queria esse tipo de foto?
- Não, o tipo de foto não, ele queria o local. Isso aqui foi decisão minha. Eu sei que é capa, então já tinha um enquadramento vertical, aquelas coisas que a gente sabe... Mas, nesse momento aqui, pediu que eu ficasse aqui, nesse... Que era o momento mais importante. Não, não era o mais importante, era um momento muito importante, que era a hora em que você vai (...)
- Nessa foto, tem alguma coisa que você acha que a valoriza?...
Tem, acho que... a bandeira do Brasil, né?, a bandeira do Brasil.

E, uma coisa interessante, que eu acho, é que não aparece ninguém, assim... Tem as pessoas aqui em volta, mas não tem ninguém importante, não dá pra dizer que aqui está o ministro tal, ali um cineasta... São pessoas, que eram, como era a D. Lyda, uma figura comum. Não era uma figura pública, nesse sentido.

Então, é isso. E essa bandeira do Brasil aí em cima, eu acho que dá uma boa... E aí, é claro, entra o título. Que resume, acho, toda a importância da imagem.

Américo Vermelho > formado em Comunicação Social pela Universidade Católica do Paraná (1978), começou a fotografar no Paraná em 1969.
Trabalhou como fotógrafo para os principais jornais e revistas do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, tais como: O Estado do Paraná, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, assim como nas revistas IstoÉ, Veja e Senhor. Como cinegrafista, trabalhou para as TV Tibagi e TV Paraná, no Paraná.
Entre 1983 e 1986, foi professor de Fotojornalismo na PUC do Rio de Janeiro.
Atualmente, além de atuar como fotógrafo para diversos jornais e revistas (e cursos de fotografia), desenvolve trabalhos na área da fotografia digital.

Elisa Ramos > Deficientes físicos: superação

Desde que comecei a fotografar tive consciência de que cada foto é um registro histórico; toda foto (mesmo as fotos caseiras, familiares) conta um pouco da história da humanidade e registra para sempre detalhes daquele momento: roupas, estilo de cabelo, ruas de uma cidade, detalhes da arquitetura e da paisagem, etc.
E a foto jornalística é um documento histórico muito mais relevante.
No meu depoimento gostaria de falar sobre duas fotos [que se relacionam], se me permite o autor da tese.

A primeira foi feita em Abril de 1980, no estádio de Vila Euclides em São Bernardo do Campo, durante a greve dos metalúrgicos do ABC Paulista. O atual Presidente da Republica, Luis Inácio da Silva, o Lula, discursava em cima de um pequeno palanque montado no gramado do estádio. O público, formado por metalúrgicos e seus familiares, incluindo muitas crianças, se esparramava pelo gramado do pequeno estádio de futebol.

Era um ano difícil, vivíamos a ditadura militar, havia muita repressão política e social e aquela greve era o movimento político mais significativo no país em muitos anos. Por isso eu havia saído do Rio de Janeiro, onde moro e viajado até São Paulo; sentia que, como Repórter Fotográfico, tinha que estar em São Bernardo e registrar com as minhas lentes aquele acontecimento histórico.

A ditadura militar começou quando eu era criança; em 1980 eu já era uma jovem mulher, casada, tinha viajado por muitos países, era uma profissional de imprensa e, no entanto, continuava o regime ditatorial no meu país.

Os metalúrgicos do ABC paulista liderados pelo Lula, estavam movimentando politicamente o país e percebi que aquela greve iria causar uma grande mudança no Brasil. Era um momento histórico, eu tinha consciência da importância daqueles acontecimentos e queria registrar aquilo com as minhas lentes. De certa forma era também a minha vida, o meu futuro que estava se desenrolando ali, em São Bernardo do Campo.

Deixei meu marido no Rio (o também fotógrafo Ricardo Beliel) e fui para São Paulo, ao encontro de amigos fotógrafos que me hospedaram e com quem eu ia diariamente a São Bernardo.
No primeiro dia, naquele pequeno estádio de Vila Euclides, quando vi e ouvi o Lula discursando, fiquei eletrizada. Depois de tantos anos de ditadura, de repressão cultural, social e política, aquele homem barbudo era absolutamente corajoso, firme, coerente. Ele falava o que o meu coração gritava há muitos anos!

Enquanto ele falava o estádio permaneceu em silêncio. Os metalúrgicos, homens e mulheres rudes, com pouco estudo, escutavam com muita atenção as palavras ditas em voz rouca, num clamor por justiça e mudanças necessárias neste país.

Fiquei hipnotizada, meu coração e minha mente clamavam por mudanças; eu tinha morado em países onde a ordem social era mais justa, onde o cidadão existia como tal.

Fui andando em direção ao palanque, me distanciando dos outros fotógrafos até que enquadrei apenas o Lula com a minha lente normal, de 50 mm., abertura 1.4. Eu estava usando uma Nikon FM e acho que operei com velocidade 250 e diafragma 5.6, uma leitura básica para o filme que usávamos na época, o Tri-X da Kodak.


De repente o Lula espalmou a mão na frente, em direção ao povo e fiz a foto de quadro cheio, o Lula com aquela mão sem um dedo em primeiro plano, mostrando para o mundo a mutilação sofrida por muitos metalúrgicos. E numa associação de imagem, a mutilação que sofríamos todos nós brasileiros, reprimidos, ameaçados por uma ditadura militar injusta e cruel.
Essa foto foi publicada, numa matéria especial sobre minha cobertura da greve dos metalúrgicos do Abc, na revista PhotoCamera, muito conceituada na época. E foi mostrada também em algumas projeções coletivas de fotógrafos profissionais na Funarte.

Hoje podemos ter restrições e críticas ao Lula Presidente; mas naqueles idos de 1980, o magnetismo e a importância do Lula no movimento sindicalista brasileiro e na política do país são inegáveis.

Alguns anos depois iniciei um dos maiores projetos de documentação fotográfica da minha vida: em 1984 comecei a fotografar os esportes para deficientes físicos no Brasil, quando o preconceito era muito forte, até dentro das redações.
Hoje essa minha documentação fotográfica está organizada no projeto VITÓRIA!, que prevê exposições por todo o país, levando a mensagem de que é possível superar as limitações físicas e vencer, não só no esporte mas nas relações pessoais, amorosas, sociais e na conquista de trabalho e independência.

E o Lula, que se tornou Presidente do Brasil, é um deficiente físico - lhe falta um dedo. Ele é também um exemplo de superação, não só da deficiência mas das condições de pobreza em que viveu na infância, adolescência e parte da sua vida adulta.
A outra foto que remete a esse conceito de superação é a que fiz do primeiro maratonista cadeiranteno Brasil, o Oscar Lucas. Em 1987 ele terminou a Maratona do Rio correndo com a cadeira quebrada, equilibrando-se apenas nas duas rodas traseiras. Nos primeiros quilômetros daquela maratona quebrou uma roda dianteira da cadeira. O Oscar Lucas decidiu continuar. Mais alguns quilômetros e quebrou a outra roda dianteira; Oscar não desistiu, correu do Leblon até a chegada, no Leme, com apenas as duas rodas traseiras da cadeira. Chovia e fazia muito frio, o esforço dele foi tremendo e a equipe que o acompanhava ficou emocionada, inclusive os outros maratonistas e o público, que o aplaudia muito.


Naquele tempo os esportes para deficientes eram ignorados, não havia patrocínio, a imprensa não noticiava. Só eu registrei esse feito fantástico de um grande atleta brasileiro, que honrou o espírito esportivo e não desistiu, não se deixou abater pela dificuldade nem por suas limitações físicas.

Fotografei com uma Nikon F2, com a grande angular de 24 mm abertura 1:2,8 velocidade 60 abertura de diafragma 2.8, com um flash Vivitar. O filme era um slide da Fuji, não me lembro qual.

Então, estas duas fotos são registros históricos de dois momentos especiais da nossa história recente e da atuação de dois homens excepcionais.


Elisa Ramos > sou Repórter Fotográfico, tendo sido uma das primeiras mulheres a entrar numa redação de jornal diário no Rio de Janeiro como Fotógrafa. Meu registro profissional no Mtb é de Abril de 1980.

A série A História bem na Foto

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A História bem na Foto > "Depoimentos exemplares":
Antonio Andrade e Campanella Neto

Depoimento do autor:
Aguinaldo Ramos.



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